Obra poética

Edições

Trecho retirado de Renato Lessa, “À guisa de posfácio: o trajeto leviano”, In: Renato Lessa & Rosana Kohl Bines (orgs.), Mundos de Primo Levi, Rio de Janeiro: Editora da PUC-Rio, 2021.

Parte expressiva da poesia de Primo Levi viria a ser publicada no Brasil, graças à criteriosa seleção e tradução de Mauricio Santanna Dias, sob o título de Mil sóis: poemas escolhidos. A apresentação ao volume exibe de modo também claro o quadro no qual se inscreve a poesia leviana:

“Vindo de uma experiência infernal que emudeceu ou desarticulou para sempre não poucos sobreviventes, talvez o maior traço de Levi tenha sido justamente o de tornar dizível o que a muitas almas puras inefável, dar concretude e visibilidade ao ‘mundo às avessas’ – como se referia a Auschwitz -, traduzir o horror absoluto em palavras claras, cristalinas, e às vezes até jocosas”.

Segundo Marco Belpoliti, o primeira texto publicado de Primo Levi teria sido um poema – “Crescenzago” -, em 1943. A atividade poética, com efeito, acompanhou toda a trajetória do escritor, com publicações esparsas e em veículos diversos, entre os quais a revista editada por Giorgio Bassani, “Bottegha Oscura”. Em 1970 Levi reuniu vinte e três poemas seus, em uma edição privada, com apenas trezentos exemplares e sem indicação de autoria. Cinco anos depois um pequeno volume com vinte e seis peças foi publicado pela editora All’Insegna del Pesce d’Oro, sob o título de L’osteria di Brema (A taberna de Brema). Em 1984, a editora Garzanti publicou um volume mais consistente de poesias de Primo Levi – Ad ora incerta (Em hora incerta) -, reunindo 63 de sua própria autoria e dez traduções de poetas diversos, entre os quais oito poemas de Heinrich Heine. No ano seguinte, o livro viria a receber dois importantes prêmios: o 35º Prêmio Nacional de Poesia Giosue Carducci e o Premio Abetone. 

Em entrevista concedida em 1984, Levi indicou a precedência da poesia no seu processo de escrita a respeito da experiência no campo de extermínio: “As poesias vieram em primeiro lugar, logo que retornei à Itália. Era como se estivesse em meio a uma coleta de fungos (‘in mezzo a una fungata’): nunca se sabe onde e quando nasce um fungo”. No mesmo movimento, Levi acrescentou que “a poesia é mais idônea do que a prosa para exprimir o que eu pensava”, para logo em seguida alterar o sentido da célebre proposição de Adorno – a de que não há poesia possível depois de Auschwitz, no seguinte sentido: “depois de Auschwitz não se pode mais fazer poesia senão sobre Auschwitz”. Apesar da ênfase, Levi não dispensou o travo cético: “sou um homem que crê pouco na poesia, todavia a pratico”.

Em outra entrevista, Levi indicou a presença de dois conjuntos de poemas entre os 63 incluídos no livro. O primeiro inclui poemas “fortemente emotivos” e compostos “em torno de 1946” – quando “escrevia poemas concisos e sangrentos”. O segundo contém a “poesia de férias”: “Férias de tudo; de escrever em prosa, por exemplo, ou do trabalho quotidiano de químico”. Ainda que “de férias”, Levi valorizava seu trabalho poético, que dava continuidade ao mote pessoal da “escrita clara” obtinha considerável retorno por parte dos leitores.

Uma pequena amostra da força poética de Levi pode ser encontrada no poema “Levantar” (“Alzarsi”), de 11 de janeiro de 1946.

Sonhávamos nas noites ferozes

Sonhos densos e violentos

Sonhados com corpo e alma:

Voltar; comer; contar.

Até que soava breve e abafado

O comando da aurora:

Wstawac”;

E no peito o coração partia.

 

Agora reencontramos a casa,

Nosso ventre está saciado,

Terminamos de contar.

É tempo. Logo ouviremos de novo

O comando estrangeiro:

Wstawac”.

(Trad. Mauricio Santanna Dias)

 

Comentários sobre a obra

Nenhum comentário encontrado.