Histórias naturais

Trecho retirado de Renato Lessa, “À guisa de posfácio: o trajeto leviano”, In: Renato Lessa & Rosana Kohl Bines (orgs.), Mundos de Primo Levi, Rio de Janeiro: Editora da PUC-Rio

Os anos intermediários entre os dois primeiros livros de Primo Levi foram preenchidos por significativa produção de contos, publicados em veículos diversos. Em carta a Primo Levi, em 1961, Italo Calvino, tendo lido alguns daqueles contos, neles distinguiu dois conjuntos. O primeiro pareceu-lhe de menor interesse, por considerá-los “fragmentos” de É isto um homem?. O segundo, composto por contos “fantabiológicos”, representavam para Calvino “uma direção para a qual eu te encorajo a trabalhar”[1]. O primeiro resultado editorial dessa virada fantástica, na trajetória do autor, que até este momento apresentara-se a seus leitores como vinculado ao testemunho dos Campos, deu-se com a publicação em 1966, sob o pseudônimo de Damiano Malabaila, de um volume de contos intitulado Histórias Naturais[2].

Na apresentação à edição italiana, Italo Calvino definiu o livro como uma reunião de “quinze divertimentos […] que convidam o leitor a transferir-se para um futuro cada vez mais impulsionado pela mola frenética do progresso tecnológico, como teatro de experimentos utópicos inquietantes, no qual operam máquinas extraordinárias e imprevisíveis”. Ademais, aos contos caberia a etiqueta da “ficção científica”, já que atravessados por “sátira e poesia, nostalgia do passado e antecipação do porvir, épica e realidade cotidiana, impostação científica e atração pelo absurdo, amor à ordem natural e gosto em subvertê-la por meio de jogos combinatórios, humanismo e educada malícia”. Na verdade, a descrição de Calvino excede os limites do livro ao qual se destinou, sendo ao mesmo tempo uma das melhores sínteses possíveis da persona de Primo Levi.